quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

As Pedras de Elementra - Parte 2. Capítulo 20


20. Sexto degrau.
Despertar? Não, renascer!

Nossa luta teve início. 
Lief foi coberto de chamas, copiando meu estado típico nesta forma. Originalidade está em falta hoje em dia.
Não era preciso ser um gênio para perceber a mudança de humor em Lief. Ele estava mais histérico, desesperado, preocupado, alguma coisa desse gênero. 
Chegava a dar pena. Afinal, eu não podia culpá-lo por querer ter Melody à seu lado, mas se realmente desejava isso, não deveria ter mudado de lado pra início de conversa.

-Eu vou te fazer em pedacinhos, e então teremos lagarto no espeto para o banquete! - Lief tentava provocar-me, sem muito sucesso.


Eu me sentia vivo de uma maneira nunca antes sentida. O calor emanava de meu corpo, o fogo escorria entre minhas veias, pequenas sensações nunca antes notadas. Eu me sentia mais forte e poderoso do que nunca. Meus sentidos estavam afiados até demais, eu podia ouvir o coração de cada pessoa no lugar, batendo dentro de seus corpos. Mas algo estava errado. Eu contara mais cedo treze pessoas no lugar, excluindo as ninjas e Troian, que estavam ausentes. Meus sentidos identificavam somente onze corações batendo.
Um certamente seria de Lucius, mas e quanto ao outro?

-Olha só o que temos aqui... Meu bichinho voltou! - Scarlet se levantou, agora com a mão recuperada.

-Calada. Eu acerto as contas com você depois. - fixei meus olhos nos dela - Você me fez machucar quem amo. Não perdoarei você por isso.

Por um instante, Scarlet me pareceu assustada. Vê-la desse jeito me fez abrir um enorme sorriso.

-E então? Pode vir com tudo! Ou está com medo?!

O fogo emanando de sua espada fortificou-se, os canais de lava em seu corpo passaram a brilhar intensamente e seus olhos fitavam os meus. Ele investiria contra mim, e eu não planejava nenhum plano de ataque. 
Eu deveria estar inseguro quanto a isso, pois em suas mãos estava uma das armas mais poderosa da Terra. Uma das pedras de elementra. Então por que eu estava tão animado? Que sede por batalha era essa, preenchendo meus pensamentos, dominando minha mente?
Logo, essas perguntas foram esquecidas, e eu estava feliz com isso.
Finalmente, Lief atacou. Cortou o ar diversas vezes com sua espada, ateando fogo contra mim a partir da lâmina de sua espada. Me mantive imóvel. Uma parte de mim preferia desviar ao ser atingido, mas a parte dominante não pensava da mesma maneira. 
O fogo não iria me ferir, eu sabia disso. 
Fui atingido por cada ataque, sem mover um dedo. Cada um deles não fazia nada além de fortalecer-me. 
Enquanto isso, a raiva de Lief era notável. Com sua espada encrustada com a pedra do fogo, ele correu em minha direção. Sua velocidade aumentara desde nosso último encontro. 

-Selion, cuidado com o que for fazer! - Melody alertou.

-Não se preocupe. Eu tenho tudo sob controle. - me preparei para defender do próximo ataque de Lief.

Rápido como um relâmpago, sua imagem se projetou à minha frente. Instintivamente, formei um X com meus braços, pronto para aguentar o ataque com minhas escamas resistentes. Parecia um bom plano, mas tinha uma grande falha. Como eu disse, ele era rápido.
Desapareceu diante de meus olhos. Quando reparei, ele estava atrás de mim, rasgando minhas costas com sua espada flamejante. 
Eu esperava dor, eu esperava muita dor mesmo, mas eu não senti nada. 

-Como... - Lief estava de olhos arregalados.

Era minha deixa para um ataque. Investi contra ele, arranhando seu rosto com minhas garras mortíferas. Lief recuou, saltando para trás.

-Mas... A pedra é mais poderosa que ele! Como ele sobreviveu?! - Lief não parava de olhar para sua espada, aterrorizado - Você não é real... Não pode ser!

Minhas mãos... Desculpe, garras, estavam sujas de sangue. Normalmente eu ignoraria o fato, mas aquela não era uma ocasião normal. Uma sensação de ardência subiu por meu estômago. 
Eu entendi isso como sede de sangue.
Eu precisava disso, muito mesmo. Meu corpo dominou. Eu sentia uma enorme vontade de rasgar o corpo de cada inimigo à minha frente, ansioso para ver o chão sujo com seu sangue. 

-Selion? Você está bem? - Merith terminava de enfaixar Melody corretamente.

-Eu estou ótimo! - bufei em resposta.

Minhas asas se abriram. Decolei ao ar sem fazer o mínimo esforço, e em uma velocidade completamente inédita para mim. Eu me sentia leve como uma pluma, mas sabia que meus ataques fariam mais estrago do que nunca.

-Você já esteve no inferno, Lief? Não? Bem, vai desejar estar lá. - estralei as juntas das mãos.

Após sacudir sua cabeça, ainda com dificuldades em acreditar no que acabara de acontecer, Lief novamente empunhou sua espada, pronto para me partir ao meio quando pudesse. Mas é uma pena para ele, pois isso não iria acontecer.
Resolvi dar um segundo à ele. Não teria graça alguma dar um fim nele desse jeito. Eu queria muito vê-lo sofrer.
"Espera, o quê estou pensando?! Eu não torturo! Só protejo as pessoas!" sacudi minha cabeça.
Talvez ter assumido esta forma tenha sido um grande e catastrófico erro, mas era tarde demais para pensar nisso. 
Logo, toda a preocupação desapareceu, focando-me novamente na batalha à minha frente. Bati minhas asas e voei rasante em sua direção. Por algum motivo, o misterioso cubo acorrentado começou a se contorcer e a tremer mais intensamente, fazendo um barulho horrível de chiado. Com muito esforço, prossegui com o ataque sem deixar o barulho interromper-me.
Lief estava preparado. Antes de ter-me por perto, cravou sua espada no chão, levantando torres de fogo em direção do teto. Não deixei-me abalar, eu já sabia que não poderia ser derrotado por fogo.
Foi uma enorme surpresa quando uma das torres chocou-se contra mim. Eram duras como pedra, praticamente indestrutíveis. Minha velocidade foi reduzida a zero e meu corpo fora esmagado. Caí no chão lentamente, grudado na torre de fogo sólido. Cada membro de meu corpo doía com o impacto. 
Meu corpo absorveu as chamas ao redor involuntariamente, diminuindo os danos o máximo possível. Infelizmente, mesmo com a redução de ferimentos e dores, eu estava fora de combate por alguns turnos.

-Eu não sou tão idiota quanto pensa. E agora, sua ousadia vai causar sua morte. - Lief marchou em minha direção.

Tentei forçar-me a levantar, mas o impacto foi mais feio do que pensei.

-Cadê toda a sua coragem e bravura agora? - Lief se aproximava devagar, aproveitando seu momento de superioridade - "Eu tenho tudo sob controle." - ele imitou minha voz.

-Eu não falo assim, seu idiota. - rugi em resposta.

-Ui, se ofendeu? 

Ele ergueu a espada e a girou para baixo. Em poucos segundos, eu teria uma lâmina coberta de fogo atravessando meu crânio. Tentei pensar em alguma coisa, mas minha mente estava confusa.
"Não vou perder para alguém como ele. Eu não sou caça de ninguém!" era realmente eu pensando isso, com tanta fúria?
Minha frustração e raiva impedia os pensamentos de serem claros, e além disso, um som metálico irrompia meus ouvidos, trazendo-me uma grande agonia, tornando meu estado mais confuso ainda.

-Últimas palavras? - Lief tocou a espada em meu pescoço.

Ela não me queimava, como já deve ter percebido, muito pelo contrário, mas Lief ainda não percebera. Se eu absorvesse um pouco mais das chamas, alimentando-me delas, talvez eu pudesse reverter a situação.

-Ótimo. - murmurou Lief.

Eu estava prestes a perder a sanidade de vez e a fazer alguma loucura desesperada, quando algo impediu Lief.

-Se pretende matá-lo, terá de cortar esse pescoço recém costurado aqui primeiro. - Melody apareceu a tempo de impedir a continuidade do ataque, empurrando-o para o lado com uma rajada de vento poderosa.

-Parece que ele conseguiu mesmo estragar você, mas não é tarde demais para consertá-la. Saia de meu caminho por agora, e depois cuidarei pessoalmente de você. - Lief baixou sua guarda.

-Então, estou "estragada"? Que grande maneira de persuadir alguém. - Melody puxou sua katana, mantendo Lief a uma certa distância de nós dois - Faça sua escolha. Sair daqui vivo ou ficar morto.

Ver Melody clareou minha mente. Eu não estava sozinho comigo mesmo, eu tinha mais um monte de pessoas ao redor. Eu podia contar com eles, então eu não podia falhar enquanto eles contam comigo para derrotar Lief.
Eu só precisava de um pouco mais de tempo, e então eu iria pôr um fim nisso.
Abri minhas asas com cuidado. Agora era só esperar o momento certo para pegar impulso e atacá-lo de surpresa.

-Nós dois sabemos minha escolha. Vou ficar aqui, vivo, enquanto você me deixa passar. - Lief largou a espada.

Ao aproximar-se do solo, ela simplesmente desapareceu e reapareceu, poucos segundos depois, flutuando acima de seu ombro. O brilho da pedra parecia ter se apagado um pouco. Me pergunto se Lief tinha noção disto.

-E por qual motivo eu deixaria você passar? - a katana de Melody brilhava, fazendo-me perceber que algo estava por vir.

-Por sua vida. 

Lief investiu contra ela, agarrando suas mãos, tentando soltá-la de sua arma. Quando ele tocou-a, um som parecido com o de algo sendo queimado foi ouvido. Em resposta, Melody tentou acertá-lo com sua katana, mas foi impedida. A espada de Lief bloqueou sua katana, colocando lâmina contra lâmina. Um detalhe: a espada flamejante não estava sendo segurada por ninguém.
Ao chocar-se contra a espada de Lief, a arma de Melody imediatamente começou a oscilar. Eu não tinha certeza se era algum truque de Melody, ou sua katana, que estava perdendo para a rival.

-Truque novo? Bom, eu também aprendi alguns. - por algum motivo, consegui prever que os olhos de Melody tornariam-se vermelhos. 

Em questão de um piscar de olhos, uma dúzia de espadas cercou os dois. Um movimento de Lief e ele seria espetado, ou melhor ainda, perfurado, por no mínimo três delas. Como sempre, derrotando os inimigos de uma maneira incrível.
Eu estava pronto para agir, no momento que algo saísse do controle. No momento em que Lief tentar assumir o controle da batalha, seria fim de jogo para ele.
Uma parte de mim desejava levantar, atear fogo a qualquer coisa que ameaçasse nossas vidas, mas eu não podia deixar-me levar. Ou então... Bem, eu espero não ter de terminar esta frase.

-Belo movimento. É uma pena ser inútil. - o corpo de Lief começou a exalar chamas intensas, capazes de derreter o metal das espadas - Magias metálicas nunca foram seu forte, não é?

Eu começava a perder a cabeça novamente. Era preciso terminar isso o mais rápido possível, antes que eu fizesse alguma besteira impulsiva, e eu até conseguia imaginar-me nesta situação.

-Você não pode me vencer. - Lief fez um gesto com a mão, fazendo sua espada autônoma fortificar o ataque, fazendo Melody ter dificuldades em manter a katana - Sua arma não vai aguentar, sabia?

Eles estavam cara-a-cara agora. Se eu me movesse, Lief poderia feri-la. Eu não podia correr esse risco.

-Para de resistir, entregue-se à destruição. - as mãos de Lief avermelharam-se, fazendo-me pensar que estavam superaquecendo. 

Melody não conseguiu aguentar, o calor forçou-a a largar sua espada. Agora suas vantagens diminuíram, mas eu sabia que ela não estava vencida.
Sua boca se mexeu discretamente, sem Lief perceber, e uma enorme mão saiu do chão, literalmente do solo de pedra puro, agarrando Lief na primeira oportunidade. Aproveitando o momento, Melody distanciou-se e agarrou sua katana novamente. Seu feitiço não durou muito, pois a espada de Lief fatiou a mão azulada até desaparecer, libertando assim o usuário da pedra do fogo.
Era a minha oportunidade. Bati minha asas e levantei do chão, pronto para transformar Lief em pão de forma humano. Fechei minhas garras ao redor de seu pescoço com muita empolgação. Eu ficara feliz com a ideia de massacrá-lo.
Por um momento, tive medo de mim mesmo, mas como das outras vezes, tais pensamentos me deixaram rapidamente. 
Surpreendi-me da demora em perceber meu erro. Lief não estava preso entre minhas garras, ele fugira a tempo.
"Como eu não percebi? Eu devia estar com sentidos aumentados!" raciocinei comigo mesmo até conseguir uma solução concreta. Desagradável, mas concreta.

"Meus sentido estão aumentos, sem dúvida. Mas estes instintos selvagens... Eles me deixam impulsivo demais para usá-los..."

-O-Oh... - um de meus companheiros deixou escapar.

Virei-me imediatamente. Foi um grande, não, um imenso erro.

-Afastem-se. Vocês precisam colocar seus corpos orgânicos facilmente incineráveis o mais longe daqui. - Polar instruiu a todos, tornando-se agora visível.

Minha mente entrou em colapso por algum motivo. Sanidade? Me deixara a tempos.
A poucos passos de mim, Lief roubava um beijo de Melody.

-Selion não é o único sentindo algo por você. - Lief afastou-se dela, prendendo suas mãos, evitando qualquer resposta ofensiva.

-L-Lief?! O q-quê pensa que...?! 


-Depois você resolve com esse ser invasor de espaço pessoal. Agora não é hora para permanecer neste canto do recinto. - Magna apareceu por trás de Melody, fazendo-a pular de susto.

Antes de obter resposta, Magna empurrou-a para o mais longe possível de mim. Eu compreendo bem a reação dela. E todos iriam conhecer a minha.
Lief foi longe demais dessa vez. Para seu azar, eu não estava com o mesmo humor de sempre. Agora, minha mente foi dominada por este lado draconiano, que não controla suas emoções e as deixa correr solta.
Ao ver esta cena, o tempo parou para mim. Tive que tomar algum tempo para processar o que acabara de ver, e como reagir. Mas eu não precisei reagir a nada. Meu corpo fez isso sozinho.

-Pessoal... Acho melhor nos escondermos atrás do cubo vivo assustador. É mais seguro! - Adrian opinou, já colocando suas palavras em prática.

Até mesmo Lucius saiu de cena, carregando Richard (o que sobrou dela) para um lugar seguro, sendo seguido por Aslan, que por sua vez carregava Misake. Eu não entendo de medicina, e nem estava com cabeça para pensar nisso, mas Misake parecia no mesmo estado de quando Aslan começou a tratá-lo.
Quando percebi, eu estava sozinho com Lief e Scarlet. Algo acontecia comigo, mas eu não percebia o que.

-Ficou brabinho, é? Desculpe, Selion, você é só um estranho qualquer atrapalhando a vida das pessoas. - Lief virou-se para mim exibindo um enorme sorriso de satisfação - Seria melhor se desistisse e deixasse ela seguir o melhor para ela. Eu.

O brilho da pedra diminuíra, mas a este ponto eu já não ligava mais para isso.
Comecei a rugir para mim mesmo, contra minha vontade, é claro. Minha visão tornou-se vermelho-sangue e meu corpo começou a exalar flamas, mas algo mudara. O fogo ao meu redor, as intensas chamas que não paravam de crescer, não eram vermelhas. Estavam azuis, algo nunca antes visto por mim. 
Esse fogo cobriu cada centímetro de meu corpo, causando uma dor insuportável. Rugi de dor, com a cabeça abaixada, tentando manter-me firme, embora fosse impossível.

-Chamas azuis... Lief, é melhor você medir suas palavras... - Scarlet parecia assustada, realmente apavorada, como se tivesse um passado com tais chamas.

-Ou o quê? Enquanto eu tiver essa belezinha aqui, - Lief levantou sua espada fortificada - serei completamente imune a ele. 

O sangue bombeando em minhas veias, o pulsar de cada coração presente... Esses sons não paravam de martelar em meus ouvidos, como se eu estivesse amarrado com fones de ouvido em alto volume, não podendo tirá-lo. 
Minha visão continuou a envermelhar até ficar impossível distinguir as coisas a minha frente. Eu me sentia cego, mas ainda capaz de ver. Isso não faz muito sentido, eu sei, mas era a verdade. A presença de todas as pessoas, eu podia senti-la como se tivesse muitos olhos ao redor de minha cabeça, cada um olhando para uma direção diferente.
Senti meu corpo pesar mais e mais, até ter de ficar agachado para conseguir me mover. Junto de tal mudança, minhas asas tornaram-se mais fortes e resistentes, como se só com uma batida pudesse voar até o topo da montanha mais alta do mundo.

-Lief. - minha respiração estava pesada, o que provocava longas pausas durante minha fala - Você não deveria ter feito isto... Eu não me responsabilizo... Por seu estado quando eu acabar com... Você...

-Estou morrendo de medo. - ele respondeu, sarcástico.

Dei um passo a frente.
O cubo misterioso acorrentado no meio da sala reagiu à mim. Ninguém entendia o motivo, mas ele começara a pular e a tremer, movendo o solo junto com ele. Um pequeno terremoto foi criado, derrubando a todos que não flutuavam e isto inclui Lief.
Aproveitando seu momento de fraqueza, dei passos longos e lentos em sua direção, com o chão tremendo como se o mundo estivesse acabando. Meu peso me mantinha preso ao chão e minhas asas me permitiam locomover como bem entendesse, sem ser afetado pelos tremores. Ao perceber minha aproximação, Lief levantou e lutou para manter-se em pé. 

-O QUÊ ESTÁ ACONTECENDO?! - alguém gritava no meio do barulho ensurdecedor criado pela vibração do terreno.

-Energia. - a voz de Polar soava mais alta do que nunca, como se usasse um mega-fone para falar conosco - Este quadrado tridimensional começou a sugar energia da fonte mais poderosa presente. Selion.

Foquei minha audição na conversa deles.

-Se você estava ciente disto, por que não nos contou?! - Kathryn indagou impaciente.

-Antes a absorção era débil, de modo que acontecia sem mesmo podermos notar. Mas com o despertar de Selion, ou como ele se intitulou, Flamus, passou a extrair toda a energia possível, provocando estas instabilidades que veem. - Magna explicou.

-Tudo faz sentido agora... - Kathryn murmurou para si mesma.

Parei de dar ouvidos. Eu queria, realmente, eu me sentia obrigado a saber o que meu poder estava provocando, mas, novamente, meu corpo não me ouviu. Marchei em direção de Lief. A esta altura, eu exalava fogo por minha boca ao invés de ar e meus únicos pensamentos nítidos eram relacionados a fogo, sangue e fúria. 
Cansado de não conseguir manter os pés no chão sem tropeçar em si mesmo, Lief empunhou sua espada, erguendo-se do chão com fogo sólido apoiando seus pé.

-Eu não sei como está fazendo isso, mas foi inútil. 

Agora eu estava frente-a-frente com Lief. Me segurei para não atacar. Eu tinha que saber como ele reagiria.

-Aceitou a derrota? Típico de uma lagartixa como você. Adeus! - Lief cravou a espada em minha cabeça.

Não senti nada. Tudo que fiz foi sorrir de volta, com o misterioso fogo azul intensificando-se ao meu redor, fazendo voltas e voltas ao redor de meu corpo, como se estivesse vivo.

-Bom... Então isto acabará com você! - Lief engoliu em seco e cravou novamente a espada em mim, dessa vez tendo minha cara como alvo.
.. Pus as mãos na lâmina da espada e a afastei de mim.

-Você não é real... - Lief tentou puxar a espada para longe. 

Mantive as mãos firmes até Lief escorregar e perder a espada para mim, caindo para trás, perdendo todo o poder.

-Eu te garanto... - meus olhos faiscavam, capazes de fulminar Lief caso ele estivesse mais perto de mim - Eu sou real... Eu sou o seu maior pesadelo...


Observei a espada por alguns segundos, sem tirar os olhos de Lief. Ergui uma de minhas garras e retirei a pedra, como se fosse um simples carrapato, deixando-a cair no chão. Ao tocar o solo, a mesma se tornou pó e dissipou-se até não sobrar restos.

-Ela era falsa?! - Lief parecia chocado.

Talvez ele não soubesse sobre isso, mas não importava. Ele tentou machucar a mim e a meus colegas, invadiu o espaço de minha amada, roubando um beijo dela, e ainda por cima tentou tirá-la de mim. 

-Para seu azar... - completei meus pensamentos em voz alta - O Selion que deixaria você vivo... Não está aqui agora...

Cerrei meus punhos e deixei minha raiva levar-me, agir por mim. Certamente não deveria, mas me sentia satisfeito e feliz comigo mesmo.


...

-Me lembrem de nunca irritar esse cara... - Ingo escondia-se atrás dos outros, com medo de ser acertado por alguma bola de fogo perdida.

Eu conseguira destruir o lugar por completo. Todo o espaço próximo a mim queimava. Os pequenos rios de lava feitos por mim na última transformação receberam o dobro de seu tamanho e as cores agora alternavam entre o azul e o vermelho. Os abalos sísmicos só aumentavam por minha causa, e eu aproveitava a cada tremor como uma chance de continuar a atacar.
Eu abrira infinitos buracos no solo. A cada passo dado, o chão derretia, simplesmente era desintegrado, deixando o piso irregular. Minhas asas eram o que mantinham-me de pé. Sem elas, eu acabaria no centro da Terra, pois toda vez que tocava o solo, ele deixava de existir.
Era extremamente difícil de enxergar devido a uma grande cortina de névoa criada pelo calor em conjunto dos rios, agora não tão pequenos, que cobriam o chão. Mas é claro que eu era uma exceção.

-Por favor! Parem ele! FAÇAM ELE PARAR! - Lief repetia e repetia, muitas e muitas vezes, completamente abatido e derrotado.

-Você é... Patético! - usei minha cauda para jogá-lo longe.

Lief rolou sem controle até bater em uma parede com força, tendo contato com muito fogo e lava no caminho. Fiz o favor de limitar o calor quando ele passava, pois meu objetivo não era matá-lo, mas sim faze-lo pagar pelo que fez.

-Eu imploro... Pare... - ele lutava para se levantar.

Patético... E não me refiro a ele...
Eu já me esquecera completamente desta voz insuportável. Nunca descobri quem é, de onde vem, só sei que não é oriunda de minha cabeça pois eu já estivera lá.

-Cansei-me de repetir! Vocês tem de retorná-lo à forma primária! - Polar reclamava com os olhos vidrados no cubo, com medo do que sairia de lá.

-Como quer que façamos isso? - Adrian criava correntes de ar em sua direção.

O calor começava a afetar a todos, fazendo seus rostos pingarem de suor. Ao notar isto, Kathryn criou uma pedra de gelo no meio de todos. Ao ser conjurada, instantaneamente começou a derreter.

-Selion está preso dentro de si mesmo, sendo trancafiado por aquele nomeado Flamus, cuja personalidade é constituída a partir de instintos e emoções... - Magna explicou - Nossa raça não entende este conceito de "emoções", mas há uma grande possibilidade de poderem manipulá-lo com tais sentimentos.

"Se preocupam comigo em vão."
Eu sentia-me ótimo, forte, ágil e poderoso, coisas nunca antes sentidas quando era Selion. Talvez fosse Flamus pensando no meu lugar, mas eu não desejava voltar ao normal, nunca mais. Com este poder em mãos eu poderia vencer Aron em um piscar de olhos, ele nem poderia demonstrar do que é capaz.
Manipulei as chamas ao redor para criar uma lança entre minhas mãos. Composta das chamas vermelhas e azuis, descia da ponta até o final em uma espiral infinita, tornando-a capaz de perfurar, ou derreter, qualquer coisa que a tocasse.
Eu inauguraria esta nova arma em Lief.

-Selion, não faça isso! 

-Você queria lutar até a morte... - aproximei a lança de seu peito - Parece que eu ganhei...

-Eu não disse nada, seu réptil arrogante. - Lief parou de lutar, ele percebera o quão inútil era tentar.

-Fomos nós. - Kathryn e Melody apareceram em minha frente, impedindo de prosseguir com o extermínio de Lief.

Ambas flutuavam no ar. Abaixei o fogo ao redor para que não fossem afetadas pelo calor ou por qualquer fumaça produzida pela lava.

-Já chega. Você já mostrou superioridade, já teve sua vingança, já acabou com ele. Não é necessário matá-lo, não somos animais! - Kathryn aproximou-se de Lief e tocou em sua testa, fazendo-o ficar inconsciente - Não vai durar muito. 

-VOCÊS não são animais... - desviei o olhar para minhas garras, levantando-as para que fossem vistas - Eu sou... E é incrível! Com esse poder... Posso derrotar qualquer um!

Bati minha cauda no chão com força, levando o que um dia foi um solo de pedra sólida no ar, criando estalactites invertidas. 

-Ele perdeu o controle de vez. O quê faremos? - Kathryn indagou preocupada.

-Não se preocupem comigo... Tragam Aron, vou acabar com ele em segundos! - eu rugi ensurdecidamente.

"Eu realmente perdi o controle. Mas quem se importa, não é?" 

-Agora saiam da frente... - comecei a aumentar novamente o calor lentamente para afastá-las.

Ao notarem, ambas levantaram as mãos, erguendo uma fina camada de gelo, que acabara moldando-se até encaixar perfeitamente à seus corpos, bloqueando assim o calor de minhas chamas. Quando a camada de gelo terminou de se encaixar aos corpos, acabou desaparecendo de meus olhos, fazendo a pele de ambas tomarem uma tonalidade azul clara.

-Selion, é sério. Você vai acabar machucando alguém que não deve. Faça um favor a si mesmo e volte ao normal, imediatamente! - Kathryn brigou.

-Você pensa que pode mandar em mim...? - eu gargalhei em resposta.

O que começou com um riso baixo acabou se tornando uma longa gargalhada em tom alto e bom som, ecoando por todo o lugar.

-Certo, começou a ficar assustador, Melody, é sua vez. - Kathryn levantou Lief e o arrastou para outro lugar, prendendo suas mãos com algemas.

Não me pergunte de onde as algemas vieram, só sei que elas estavam lá.

-O único que deve morrer é Aron. Você sabe que Lief só está sendo manipulado, não sabe? Ele já foi um dos nossos, então...

-Então... Você não quer que eu mate seu novo namoradinho... Não é mesmo? - bufei.

Ela não me respondeu. O silêncio de reprovação deixado por ela acabou me enfurecendo, embora o verdadeiro eu não concordasse com nada do que acontecia.

-Como eu pensei. - dei as costas a ela.

"Não faça isso, seu idiota!"
Sim, é exatamente o que parece, eu discutia comigo mesmo. 

-Selion, você é inteligente o suficiente para saber quem fez o quê. Eu não me atiraria desse jeito pra alguém. Parece que nem me conhece. 

"Eu sei disso!" eu tentava me fazer ser ouvido, mas não era possível falar. Minha cabeça estava uma loucura, como deve ter percebido.

-Eu não sou Selion. - respirei fundo - E eu conheço o suficiente.

-Quando você disse aquilo para mim quando mudou de forma, eu acreditei em você. Mas deve ter sido mentira, não é mesmo? Só suas emoções exageradas. - ela revirou os olhos.

As chamas azuis começaram a substituir as vermelhas. Eu não tinha muita certeza sobre isto ser bom ou ruim.
Aproximei-me de Melody e coloquei minhas mãos em seus ombros, tomando cuidado para não cortá-la com minhas garras. Elas estavam mais afiadas do que nunca agora.

-Eu não menti. Foi real, é real, continua sendo real, sempre foi real. - eu despejava coisas nunca antes pensadas por mim, sem dar tempo para qualquer reação - Selion era um inútil, ele não conseguiu ver o que estava bem na sua frente! Eu sou diferente. - as chamas azuis intensificaram-se, alternando entre brilho e cor enquanto eu falava - Eu vejo tudo. Até mesmo o que você fez. 

"Pare, eu mesmo!" eu ordenava em vão.
Eu nunca soube como controlar a mim mesmo, desde criança eu era impulsivo. Ao crescer eu estabeleci um equilíbrio, que esse dragão nomeado de Flamus estragou por completo.

-Você está cego por seus próprios pensamentos. Vê o que quer ver. E agora vai ouvir o que tem que ouvir. 

O sangue sendo bombeado em meu corpo acelerara, junto de meu metabolismo. Meu coração batia descontroladamente. Isto seria saudável? 
O rosto de Melody havia corado. Tirei as mãos de seus ombros. Eu não percebera o calor e o fogo que exalavam por entre minhas escamas.

-Selion, eu não poderia beijar o Lief. - seus olhos tornaram-se rosa.

O fogo começou a diminuir, com exceção do criado ao nosso redor, que só ganhava mais força e brilhava cada vez mais.

-Eu também amo você, Selion.

Cinco palavras foram o suficiente para substituir toda a raiva acumulada em mim por algo melhor, um sentimento alegre. Foi o suficiente para me fazer acordar do transe de "Flamus" e voltar a mim. 
Minhas escamas desapareceram lentamente, trazendo meu corpo de volta intacto, como se eu acabara de entrar no covil pela primeira vez. O único vestígio deixado foram o fogo que não se apagara e não iria apagar. Agora era possível tocar em alguém sem causar queimaduras de terceiro grau. 

-Obrigado. - eu a abracei. 

-Por quê agradecer? Eu só disse a verdade. - ela sorriu em resposta. 

-Você é a primeira a ver algo de bom em mim.

Por mais feliz que eu estivesse, aquele não era nem o momento, nem o lugar certo para isso, infelizmente. Abaixei as chamas, secando assim cada rio de lava, deixando para trás uma densa cortina de fumaça. 
Começamos a aproximar-nos dos outros quando o cubo parou de se mover completamente. Ele não havia parado por um só segundo desde que chegamos. Algo iria acontecer. 
Esta última frase foi comprovada quando Misake e Gar levantaram ao mesmo tempo, com os olhos esbugalhados de pavor. 
Lembrei-me de Scarlet, mas a mesma havia fugido durante o meu surto. Não estou me chamando de surtado, simplesmente saí um pouquinho de mim, só isso.
Deveríamos começar a tomar mais cuidado, ela não fora a primeira a desaparecer depois de derrotada.

-Ele voltou! - Misake e Gar pronunciaram ao mesmo tempo.

-Isso foi assustador. - Yousuke mirou a espada para o cubo, pronto para desafiar o que saísse dele.

Talvez ele seja um vidente. Segundos após apontar a espada, três corpos pularam de uma das aberturas do cubo "revoltado". Dois deles pularam contra a parede, usando-a como impulso para caírem precisamente no chão, já o terceiro teve um pouco de dificuldade, mas acabou caindo de pé no chão. Teria caído, para dizer a verdade, mas uma das crateras deixadas por mim acabou impedindo o pousou de dar certo.
Não foi preciso muito esforço para reconhecer Annie, Stephie e Troian.

-Nós falhamos! Não conseguimos impedir a tempo! - Annie e Stephie jogaram-se no chão, envergonhadas por sua pouca eficácia.

-Vocês não estão em seu país, não precisam se humilhar para pedir desculpas. - Kathryn tentou acalmá-las.

-IRMÃO! - Gen abraçou Gar, gritando um pouco alto demais, colocando a atenção de todos nos dois irmãos psíquicos.

-Gen? O quê faz nesse lugar? - a voz de Gar era diferente agora, estava áspera e rouca - Ah, desculpe. - ele tossiu algumas vezes - Testando. Um, dois, três... Muito melhor. - sua voz tornara-se desequilibrada, como se não soubesse moderar entre o alto e o baixo, o grave e o agudo, e divertida.

Sua voz atual parecia com um narrador de filme de comédia, alternando a voz dependendo da palavra, da frase e da situação, como se estivesse participando de algum tipo de show. 
Gen estava chorando de alegria.

-Desculpe estragar a reunião de irmãos, mas... - Ingo interrompeu os dois, lembrando-os sobre onde estávamos.

As mãos de Ingo brilharam. Quando o brilho apagou-se, havia uma bússola em sua mão, uma bússola com um único ponteiro, sem marcas ou qualquer número. Ela apontava para Misake e Aslan. 

-Inusitado. Mas deve ser só mais uma inutilidade, acontece as vezes. - Ingo jogou a bússola no meio do fogo ainda não apagado e assistiu ela derreter.

Quando derretida, ela explodiu.

-Droga, eu podia ter usado como granada. - Ingo estava mais decepcionado com a granada perdida do que com a bússola derretida.

Um "click" foi ouvido. O cubo foi totalmente quebrado, em minúsculas partes (vale lembrar que seu tamanho original era imenso). Uma cortina de poeira, misturada com a fumaça já existente, tornou nossa visão quase cega. Kathryn e Melody, com a ajuda de Adrian, criaram uma forte barreira de vento que nos permitiu enxergar novamente. Não fui o único a ficar boquiaberto com o que vira.
Havia uma pequena escada, com cerca de trinta degraus, que levava até uma porta. "O quê tem demais nisso?", você deve se perguntar. A olho nu era possível ver uma aura negra cobrindo-a. Garras de pedra marcavam as laterais, como se a segurassem para algo não escapar de dentro, sua cor era vermelho-sangue, dando a ideia de que fora pintada com sangue real, e cinco pedras flutuavam ao seu redor, formando um hexágono incompleto.
Todas as pedras que perdemos estavam lá. As pedras roubadas por Richard.
A pedra da luz se encontrava no topo, com a do vento e fogo à seu lado esquerdo e direito, respectivamente, completando com a pedra da terra oposta a do vento, e com a pedra da escuridão oposta à de luz. 

-Misake, mantenha a pedra em segurança! - Kathryn não conseguiu tirar os olhos da porta, pensando nas coisas malignas dentro dela.

-Eu sei, ela está segura bem... - ele procurou algo no bolso de seu casaco - Aqui... - continuou procurando no bolso de sua calça.

Ele engoliu em seco.

-Aslan, você esteve com ele o tempo todo, me diga que a pedra está em segurança com você! - Kathryn tentava se manter calma, mas seu pânico era visível.

-Não esquentem, ela está comigo... - ele mostrou a pedra da água em sua mão.

-Que susto! Pode passar ela pra mim agora, vou guardá-la comigo para emergências. - Kathryn estendeu a mão.

-Deixe-me terminar. - Aslan se levantou e caminhou para longe de nós - A pedra está comigo, mas não em segurança. 

-O quê quer dizer? - a face de Merith ficou pálida.

Melody já suspeitava de algo. Sigilosamente, ela pegou sua katana com as mãos atrás das costas, pronta para impedir Aslan caso movesse-se. 
Devagar, Aslan ergueu uma mão até as orelhas e as ARRANCOU fora, jogando-as no chão. Gen e Merith fecharam os olhos imediatamente.

-Não preciso de algo assim em minha mente! - Gen abraçou seu irmão.

-Eu também não! - Merith se abaixou e abraçou Gen.

-Orelhas falsas. - Lucius os avisou - Quanta criatividade.

Aslan estava mentindo quando mencionou ser um elfo, druida, seja lá o que for com orelhas pontudas. Elas eram comuns. 
Ele tirou seu machado das costas e removeu dele um emblema em forma de árvore que eu não tinha notado mais cedo. Por baixo dele, havia uma marca de caveira detalhada, com asas atrás da cabeça, como um crânio anjo, se isso fosse possível.

-Não pode ser! - Kathryn ergueu seu cajado, fazendo-o começar a faiscar.

-O símbolo usado por Aron na guerra... - os olhos de Melody se tornaram uma mistura de negro com vermelho. 

-Saudades de você, Melody. - Aslan girou seu pescoço, fazendo-o estalar - Vejo que recuperou sua visão, não é mesmo? Dessa vez eu não vou ficar brincando, prometo.

-Foi... Você? - Melody deu passos a frente, conjurando katanas extras atrás dela, todas apontando para o falso druida.

Kathryn e Melody não esperaram ninguém, foram com tudo para cima dele. Kathryn levantou o chão atrás dele, impedindo-o de fugir, enquanto Melody corria atirando suas katanas contra ele, fazendo aparecer uma nova para cada gasta.
Com um simples movimento de sua mão direita, com a posse da pedra, uma bolha prendeu todas as espadas, jogando-as de volta logo depois.

-É inútil. E agora, trarei de volta o meu senhor, Aron. - Aslan cortou a pedra levantada por Kathryn com seu machado e correu até a porta, subindo os degraus com um único salto.

Gen e Gar trocaram olhares rápidos e fecharam os olhos. O corpo de Aslan foi parado por um momento, como se tivesse sido petrificado. Aproveitando a situação, Annie e Stephie jogaram estrelas ninjas - shuriken - em Aslan. Uma onda de água levantou do chão, onde meus canais de lava quente haviam sido criados, interceptando assim os projéteis ninja e levando para longe os psíquicos, quebrando o transe de Aslan.

-Não podem contra mim, eu sou o segundo em comando após Aron. Aturei todos vocês por tanto tempo, mas valeu a pena. Agora sei suas fraquezas e Aron sabe as de Selion e Melody, os únicos que poderiam nos atrapalhar. Obrigado, Gar. - Aslan levantou a pedra e a colocou no seu lugar do hexágono flutuante. 

Agora todas estavam reunidas e na posse da Grand Destruction. 
Um trovão foi ouvido, vindo de fora do covil. As pedras começaram a reagir umas as outras, girando em volta de si mesmas, criando uma esfera de luz colorida no meio delas. 

-Desperte, Mestre! - Aslan se abaixou, reverenciando a porta.

-Não use Flamus a não ser que seja necessário, está me ouvindo? - Melody mordeu o lábio.

Assenti em resposta.
Sem som algum ser emitido, a porta sombria começou a abrir lentamente. Sombras começaram a sair de dentro dela, como se o mal encarnado estivesse lá dentro.
E em poucos segundos, ele estaria aqui fora.

-Agora as coisas vão ficar interessantes. - Lucius tinha agora uma foice em mãos - Quero ver você de novo, velho "amigo".

As chamas azuis cresceram em volta de minhas mãos, motivando-me para lutar.
Magna e Polar colocaram suas mãos - se é que aquelas coisas sem dedos podiam ser chamadas de mãos - em cima de meus ombros, um de cada lado.

-Não se preocupe, estaremos com você. - Polar tentou me acalmar.

Eu deveria me sentir pronto para a batalha, mas não era bem assim, pois eu sabia quem estava atrás daquela porta. O maior inimigo já visto pelo Grand Elementra. E agora, que está em posse das pedras, eu sabia que não poderíamos derrotá-lo. 
Com tamanho poder que tem, fica cantando derrota...
É por esse motivo que eu acho você patético, Selion Gran Lux.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

As Pedras de Elementra - Parte 2. Capítulo 19


Selion

19. Quinto degrau.
Despertar!

Você já ficou preso dentro de sua própria cabeça?
Aparentemente, para mim, isso agora era rotina. 
Eu não queria, realmente não queria ter me transformado, mas eu não tive escolha. E agora eu acabei aprisionado em minha mente. 
Minha mente é branca e vazia. Um plano totalmente branco, sem nada. Não havia um sinal de sujeira, nem nenhum pensamento, muito menos sinal de alguma coisa. 
As vezes, se eu me concentrasse muito, mas muito mesmo, eu conseguia mandar alguma mensagem para meus companheiros, mas, provavelmente, algo imperceptível. 
Eu sentia dor, muita dor. Cada golpe no meu corpo físico, me abalava, mesmo ali. Eu não tinha a menor ideia de como me libertar, mas eu precisava, e rápido.
Ficar preso dentro daquela imensidão branca me fazia pensar como se eu fosse um passarinho dentro de um ovo. Eu não pretendia nascer de novo, então ficar ali era um incômodo. 
Cuspi sangue. Alguém me acertara em algum lugar que dói. 
Antes de tocar o chão, o sangue evaporara, mantendo a impecável limpeza do lugar. O chão era polido, o que era estranho pois não havia ninguém neste lugar.
De vez em quando eu ouvia vozes, enquanto caminhava pelo vazio. Eram vozes desesperadas, que eu com certeza já ouvira anteriormente. Suplicavam por ajuda, imploravam por socorro. E eu não podia ajudar.

-Alguém está aí? Reflexo da minha consciência? Alguém?! - eu chamava em desespero.

Eu não tinha certeza do motivo, mas ficar sozinho num lugar como aquele me deixava histérico. Eu estava perdendo a sanidade.
E então, eu ouvi uma respiração pesada, como se alguém acabara de ser libertado de uma forca, ou fugido de um estrangulamento. Segui a voz, sem nem pensar nos perigos que isso podia trazer.
"Essa é a minha mente, nada pode me ferir."
Eu fui tão inocente...
Quando parei de andar, me deparei com uma porta. A primeira coisa encontrada foi uma porta.

-Bom, sempre me disseram que eu era cabeça-de-vento... - soltei um riso nervoso.

Tanto tempo sem ouvir nenhuma voz nítida estava começando a me incomodar. Pensei em falar comigo mesmo para suavizar essa sensação.
Ergui a mão até a porta e girei a maçaneta. 
Nada.
Do outro lado só havia mais vazio, mais branco, mais espaço vazio e em branco.

-Uau, que progresso... - resmunguei, mesmo sabendo que ninguém me ouviria.

A porta atrás de mim se fechou. O branco abaixo de meus pés começou a se tornar verde. Era grama. Grama estava brotando do chão.
Uma enorme árvore começou a brotar à minha frente. Precisei me afastar para não ser levado com ela.
Agora eu estava em um ponto verde no meio de um espaço em branco. 

-O-olá... - uma voz gaguejou.

-Quem disse isso? É você, árvore? 

Eu estava a tanto tempo sozinho que começava a ficar louco. Neste momento, eu tentava dialogar com uma árvore. 
Notei frutos no meio de sua folhagem. Devia ser uma macieira.

-Árvore, você por acaso não saberia como sair daqui?

-E-eu não sou a árvore! P-pensei que você fosse m-mais esperto... - a voz me respondeu.

E então, a voz espirrou.
O espirro me permitiu notar de onde vinha a voz. De trás da árvore repleta de maçãs.
Contornei-a e me deparei com um jovem de cabelos encaracolados em tom de marrom claro. Seus olhos oliva, cobertos por um par de óculos de haste azul, arregalaram-se ao me ver.

-N-não era para me encontrar! D-droga... Por que t-tentei ajudar? - ele cambaleou para trás e tropeçou em uma raiz, caindo no chão.

-Calma, você vai acabar se machucando! Quem é você? 

-Eu não posso... - ele parou para pensar, com gotas de suor descendo de sua testa - Não devo c-contar...

Ele usava um camisa verde por baixo de um suéter sem mangas azul-turquesa. Uma névoa densa cobria seus pés e pernas, de um modo que me fazia duvidar se eles realmente existiam.

-Então o quê fará por mim? Sr. Sei lá quem?

Ele se levantou e arrancou uma folha da árvore.

-Peço que tenha cuidado com a árvore da minha cabeça. 

Ele riu nervosamente. Sua pele era amarela, como se estivesse doente, porém, agia como se estivesse bem. 
A passos leves, ele se aproximou e colocou a folha na frente de meus olhos.

-C-consegue me ver? - ele perguntou.

Não respondi. Tinha uma folha na minha cara, eu tenho cara de super herói para ter visão de raio-x? Não, certo?
Tirei a folha da frente e o encarei. Ele tapou a cara com as duas mãos, escondendo suas bochechas e olhos. Ele estava com as mãos dentro dos óculos, que estavam prestes a cair.

-Isso é tão errado... N-não é a hora para nos encontrarmos... Ele vai me matar... - Sr. Sei lá quem choramingava para si mesmo.

-Eu não estou entendendo. Você é uma memória estranha? É isso? 

-M-mais ou menos... - ele tirou as mãos da cara e ajeitou seus óculos.

Um pequeno bigode crescia em sua cara. Com essa informação e sua altura mediana, meu chute era 15 anos. 

-V-vou logo ao ponto. Encare a folha, p-por favor. - ele pediu.

"Certo. Vou começar a assistir uma folha. Que emocionante." meu pensamento soou mais como uma reclamação sarcástica comigo mesmo.
Pela primeira vez, notei as orelhas de Sr. Sei lá quem. Eram pontudas, como de um elfo.

-Espere um segundo. Você não é um...

-E-essa não! Encare a folha! E-encare a folha! - ele repetia, apavorado.

Por fim, acabei aceitando. Aproximei a folha do rosto e a encarei fixamente.

Sua cor verde começou a desaparecer, até tornar-se escura e sombria. Antes de poder perguntar alguma coisa, Sr. Sei lá quem levantou sua mão, indicando para mim esperar. Entre meus dedos, a folha diminui para um tamanho mínimo e, em uma fração de segundo, expandiu-se, formando um grande círculo de vidro sujo.
O que eu enxergava atrás dele não era o garoto estranho de óculos, mas sim o campo de batalha onde eu estava de verdade.
Eu podia ver Scarlet e Melody lutando entre si. Seus movimentos eram mais velozes que meus olhos. Eu não conseguia acompanhá-las. 
Várias partes do solo pegava fogo, havia um rio de lava separando Melody e Scarlet dos demais, e ao fundo havia um enorme dragão enfurecido. Seus olhos vermelhos fitavam as duas, assistindo a luta inquieto. 
Eu estava olhando para mim mesmo.

-O quê é isso? Como você conseguiu?! E por quê?! - perguntei para o menino de cara rosada. 

Ele sumira sem deixar rastros. 
Voltei minha atenção para a tela, um pouco irritado por ter sido deixado com tantas perguntas sem resposta. Assistir a aquilo me fazia embrulhar o estômago. Por alguma razão, eu não conseguia encarar a mim mesmo naquela forma sem sentir desgosto, reprovação. 
A tela não emitia som, mas eu conseguia ouvir em minha cabeça cada explosão, cada confronto de armas. O fogo estalando, o solo superaquecendo, eu conseguia detectar cada som. 
Fui forçado a tapar meus ouvidos com as duas mãos e me abaixar. Era como ter alguém gritando no seu ouvido com um megafone. 
Algumas folhas da árvore começaram a cair por cima de mim.
Me forcei a levantar e terminar de assistir ao "show de horrores". Ver meus amigos sofrendo daquele jeito era meu pior pesadelo. 
Meu corpo começou a ser mover. Se aproximou de Melody e a levantou no ar com um golpe de minha cauda. Eu iria acertá-la com fogo. Se eu não me impedisse, ela se tornaria um churrasquinho de Melody.

-Não, não, não! - eu gritava comigo mesmo, tentando me parar.

Tentei de tudo. Desde pará-lo (ou seria me parar?) com meus pensamentos e vontade até me estapear para desconcentrá-lo. Eu queria ser otimista, mas eu sabia que nada funcionaria, e realmente não funcionou.
Uma das folhas da árvore caíram no meu nariz. Ao tocá-lo, foi queimada até deixar de existir. 
Soquei a tela com força. Eu não queria machucá-la, eu me recusava a admitir que iria atear fogo a ela. A tela de vidro não quebrou, era mais resistente do que o esperado.
Pude sentir meus olhos começarem a lacrimejar. 
Lá fora, através da visão da tela, meu corpo chorava lágrimas feitas de lava. Nem mesmo minha parte mais rebelde e invocada desejava ferir Melody.
Meu tempo se esgotou. Meu corpo despejou todo o fogo em forma de pilar horizontal flamejante por cima dela. Eu estava com raiva de mim mesmo por deixar isso acontecer. Ordenei a mim mesmo para parar, com toda a minha raiva concentrada. Imediatamente, meu corpo não-real, o junto com a macieira, pegou fogo. Mas de que adiantava? Era tarde demais. 
Fui mergulhado no silêncio, enquanto via o fogo passando, consumindo-a. 

-Me desculpe. - eu pedi de cabeça baixa. 

Mesmo com medo de ver algo indesejável, levantei meus olhos para a tela.
Melody estava parada de pé, sem danos do último ataque.
Eu vi com meus próprios olhos. Ela realmente foi incinerada! Estava fraca para esquivar, sua energia estava baixa demais naquele momento para usar algum teleporte. 
O único jeito de ter sobrevivido, seria se meu corpo a tivesse contornado. 

-Espere aí! Eu consegui! Eu consegui me controlar! - eu olhava para minhas próprias mãos como se não acreditasse na realidade.

Agora eu só precisava repetir e me soltar, voltar ao controle. Fazer o plano era fácil, mas realizá-lo era outra história.

-Certo! Eu me concentrei, me estapeei, e me enfureci. - me sentei no chão, escorado na macieira - O que deve ter me controlado provavelmente foi a raiva. 

Por que é sempre a raiva que move minha vida? Por quê?
Tinha a leve impressão de que minha pergunta seria respondida logo.
A tela de vidro se moveu para perto de mim. Cruzei as pernas e foquei. Foquei na minha raiva, na minha fúria, no sentimento de ódio por todos os meus inimigos. 
Na tela, Melody lutava com Scarlet no mano-a-mano. Ambas pareciam muito cansadas. Desse jeito, a luta logo iria terminar, e não haveria vencedor algum.
Tentei controlar meu corpo para que ele andasse. Sem resposta.

-Ah, vamos lá! - briguei comigo mesmo.

Então, pensei um pouco a respeito da situação. Talvez eu devesse usar a raiva contra mim. Eu sei, é uma ideia louca e sem noção, mas resolvi tentar.
Obriguei-me a me odiar. Odiar aquele dragão incontrolável. Odiar o fato de ter perdido o controle. Assim, ordenei a mim mesmo para andar para perto das duas, para parar a luta. Eu consegui. Era difícil, mas consegui.
Eu estava próximo delas. Mas algo deu errado, em algum momento.
Meu corpo ficou com a respiração ofegante. Tanto o real quanto o preso no espaço branco semi-vazio.

-O quê é isso? Eu não consigo respirar!

Meu eu dragão começou a formar fogo em suas mãos. O calor chegava a queimar o oxigênio ao redor, provocando o problema respiratório.
Em alguns momentos, eu iria desmaiar, e tudo estaria perdido. 
Melody e Scarlet estavam "enroladas". Ambas estavam atiradas no chão. Melody a impedia de se mover, e Scarlet parecia desesperada.
Eu demorei para perceber, mas meu corpo planejava matar as duas. 

-Não! NÃO OUSE FAZER ISSO, SELION! - eu gritava comigo mesmo.

Minha voz não parecia a mesma. Estava rouca e seca. Estar em minha mente diminuía a necessidade de respirar, mas ainda me afetava. Eu já suportei por tempo demais. Eu não sobreviveria a aquilo.

-Pare! Por favor! Eu imploro! - eu repetia para mim mesmo, embora não pudesse ser ouvido por ninguém.

Fechei meus olhos. A imagem de Melody morrendo, levando Scarlet junto com ela, estava estampada em minha mente. Era o impulso que eu precisava para assumir o comando. A última gota d'água.
Fraco, espiei a tela uma última vez. O fogo foi atirado, era tarde demais para impedi-lo. 
Fechei meus olhos com força. Era hora de acordar.


...

Quando abri meus olhos novamente, estava de volta ao campo de batalha. Nada de árvore, nada de grama, só fogo e destruição. Abaixo de minhas enormes mãos, o fogo descia, carregando a morte de Melody e Scarlet.
Pela primeira vez, eu estava totalmente no controle. Diferente de poucos segundos atrás, ou da batalha contra Richard, onde eu era levado por meus impulsos. Agora eu conseguia me erguer contra esses instintos e fúria!
Mas uma coisa de cada vez. 
Lá de baixo, Melody parecia me observar de uma maneira confiante, como se soubesse de minha retomada do controle. 
Isso não era impossível, afinal, eu a salvara do pilar de fogo a pouco tempo. 
Ela se sacrificou de propósito, sabendo que eu despertaria. Havia um risco. Se eu não acordasse, ela deixaria de existir. Mas até o fim, ela confiou em mim. 
Agora era hora de fazer sua confiança valer a pena.
Dobrei o fogo ao seu redor, protegendo-a. Eu estava muito mais forte e poderoso, as chamas se moviam ao meu desejo sem o mínimo esforço. Ao meu redor, uma energia parecia penetrar em meu corpo, sendo absorvida por mim. Seria o tal elementra do qual ouvi falar? A energia por trás de todas as coisas?

-Melody! MELODY! - Kathryn estava em completo terror.

Suas mãos cobriam sua boca e seus olhos estavam arregalados. 
Ninguém mais conseguia vê-las. Melody e Scar estavam mergulhadas embaixo do fogo, tapadas por uma cortina de chamas. Só eu sabia de seu real estado. Sabia que estava bem e segura, intocada. 
O fogo começou a se apagar, mantê-lo era inútil. Scarlet havia sido derrotada para sempre.
Puxei o ar até preencher meus pulmões e expirei contra o fogo, tornando-o simples fagulhas que por fim se apagaram no ar.
Dois corpos estavam deitados no chão, no meio da grande cratera criada pelo fogo. Para mim, elas pareciam formigas. Eu estava realmente alto.
Por trás, fui bombardeado por cacos de gelo e acertado por chicotadas de água. Gemi de dor e me abaixei. Foi um grande erro, pois só entrei na mira de mais ataques.
Tentei pedir para pararem, mas minha voz saiu como rugido, eu ainda não podia falar.

-Parem. - uma voz pediu.

Era Melody. Embora estivesse salva, não atingida pelo fogo, ainda não conseguia se levantar pelo seu cansaço extremo. Ao ouvir sua voz, Kathryn, Merith e Adrian correram ao seu encontro. Os olhos de Kathryn estavam cheios de lágrimas.

-Não me mate de susto desse jeito! - ela choramingava enquanto falava - Eu pensei que fosse seu fim! Não faça isso comigo!

-Desculpe, mas foi necessário. E um susto de vez em quando não faz tão mal. - Melody brincou.

Kathryn a abraçou com força e pediu para Merith preparar alguma cura, ou, pelo menos, algo para dar-lhe energia.

-Eu estou bem, não fui tocada em momento algum. - Melody tentou tranquilizar Kathryn, embora não tenha conseguido.

Como era de se esperar, Kathryn se encheu de perguntas, e começou a despejar elas uma atrás da outra, sem dar tempo de qualquer pessoa responder. 

-Calma, vai devagar. É muita coisa ao mesmo tempo! 

Sentei no chão com cuidado. Habitar um corpo daquele tamanho era difícil, você permanece sempre com uma sensação estranha, com medo de acabar esmagando seus amigos enquanto se movimenta. E obviamente, sentar te deixava inquieto, principalmente por ser o chão, não uma cadeira confortável, feita sob medida para te aguentar. Não, era o chão, lugar onde pessoas caminham e habituam.

-O quê acontece agora? Vai vir mais um inimigo idiota? - Lucius rosnou impaciente.

-Ainda não vencemos Scarlet... - Melody cambaleou até ela, usando sua espada como uma bengala.

-Como não?! - Adrian resmungou - Ela está atirada no chão, sem vida! 

-Com vida. Ela ainda vive. - Gen corrigiu Adrian, sem nem mesmo desviar o olhar de seu irmão abatido.

Melody se aproximava lentamente de Scarlet. Ninguém sabia suas intenções com ela. Afinal, matar alguém imortal é impossível. Certo?

-Sabe, é realmente difícil parar alguém como ela. - Melody cravou sua katana próximo de Scarlet - Mas nós conseguimos. E agora, devemos acabar com ela de uma vez por todas. 

-E como pretende matar a imorrível aí? - Ingo coçava sua cabeça, provavelmente imaginando alguma maneira de matá-la.

-A imortalidade dela se resume a um corpo duradouro. Veja bem, não envelhece, se cura rapidamente, é mais difícil de ferir, mas não impossível. Se acertar o ponto vital certo... - Melody tirou a katana da terra e a aproximou do peito de Scarlet.

-Esse ponto vital é o coração. Se parar ele, nem mesmo esse fator de cura superior pode salvá-la. - Kathryn completou.

Melody balançou a cabeça como resposta. 

-Até mais, Scarlet. 

Me levantei em um pulo. Alguma coisa estava entre nós. Minha habilidade de sentir a presença das pessoas estava mais apurada nesta forma. 
Tentei alertar alguém, qualquer um, mas eu ainda estava impossibilitado de falar qualquer coisa que não seja um rugido estridente. Não consegui avisá-los, mas chamei a atenção de todos. Até mesmo Gen parecia assustado com meu surto repentino. 
Fui atacado. Litros de água apareceram a minha frente, me golpeando. Era como ter uma enorme mão distribuindo para mim várias séries de tapas na cara. Os tapas doíam, com certeza, mas era ainda mais doloroso saber quem me feria. Adrian e Kathryn. Eles continuavam desconfiando de mim. Na minha situação, não poderia culpá-los, eu nem mesmo consegui avisá-los sobre estar de volta. Estava confuso demais para conseguir fazer isso.

-PAREM! - Melody ordenou.

-Ele vai nos atacar novamente! Ainda está sob controle dela! - Aslan levantou a voz pela primeira vez.

Ele ficou fora durante toda a batalha, tratando de Misake, não era preciso estar consciente para saber disso. Tanto tempo sem reagir a nada, e quando resolve dizer algo, pede para me atacarem. Isso é realmente muito frio, e eu sei bem do quanto gelo é ruim.

-Ele está de volta! Parem os ataques! - Melody tentou desviar os golpes, mas estava fraca para isso.

-Se ele está de volta, por que continua do tamanho de um prédio?! - Adrian questionou.

"Por quê eu não sei voltar ao normal!" tentei repetir diversas vezes, mas novamente, só rugidos saíram de minha boca.

-Talvez ele não saiba. Pensem bem, ele não domina isso completamente, e a Scarlet só piorou tudo, talvez ele esteja tentando, mas não consiga voltar. - Melody parecia ler meus pensamentos ao explicar o que vinha tentando dizer a um bom tempo.

Melody voltou sua atenção para Scarlet, pronta para acabar de vez com ela. Só tinha um problema: Scarlet não estava mais atirada no chão. Ela estava de pé, com seu corpo chamuscado e com a cara preta pelas cinzas.

-Pirralha... Se queria acabar comigo, devia ter feito isso de uma vez, não parado para conversar com seus amiguinhos. - Scarlet empurrou Melody com uma força imensa, colidindo-a com Kathryn.

Seu fator de cura era muito maior que os de qualquer um naquele lugar, mas levantar tão rápido depois de um ataque daqueles era uma coisa que eu considerava impossível.

-Você me decepcionou, Selion. Devo te punir por isso. - seus olhos brilhavam intensamente, provavelmente por causa do fogo - Akai Dragna!

De início, não senti nada. Mas então, uma dor começou a subir por minha espinha. Era como ter uma garra me rasgando de dentro para fora. Os comandos ainda me dominavam. Scarlet ainda me detinha à rédea curta.

-Sente isso? É por ter sido tão insolente. Agora você vai se torturar o quanto eu quiser, e só irei parar quando alguém neste lugar morrer. 

-Eu não acredito que alguém como você fez parte de nosso grupo... Você é uma desonra para a raça humana! - Kathryn deitou Melody com cuidado no chão e se levantou.

-Raça humana? Quem disse que eu sou dessa raça, para início de conversa? - ela abriu suas mãos e as fechou com força logo em seguida - Eu sou de uma raça muito superior a de vocês. Não sou detida por sentimentos inúteis, sigo em frente para alcançar minhas ambições, passando por cima de quem for necessário para isso!

"Alguém tem que pará-la, antes que seja tarde demais!"
Me convenci a engolir toda a dor e agir. Levantei minhas mãos e tentei esmagar Scarlet, usando toda a força de meu corpo. Segundos antes de acertá-la, fui paralisado por seu olhar frio e fulminante. Meu corpo não me obedecia mais. Fui forçado a me afastar contra minha vontade.

-Sente-se quietinho, cuidarei de você mais tarde. Eu não admito servos desleais. - Scarlet marchou até meus amigos, enquanto eu assistia sentado no chão, imóvel.

A dor voltou a me afetar, dessa vez com força total. Tive a sensação de estar sendo rasgado, de ter uma enorme fissura em minhas costas, minhas escamas sendo arrancadas de mim uma a uma. Meu rugido foi ensurdecedor.

-Pare imediatamente! Não ouse continuar a machucá-lo! - Melody se levantou.

-O quê vai fazer? Me bater? Olhe só seu estado, pirralha. - Scarlet zombou. - É uma pena, mas você não tem capacidades curativas como as minhas. Tente novamente na sua próxima vida.

-Engraçado você falar de "próxima vida", Scarlet. - Gen ergueu sua voz - Até porque, você não terá a sua, não é mesmo?

Silêncio. 
A fala de Gen penetrara na mente insana de Scarlet, forçando-a a pensar antes de respondê-lo.

-Eu sou imortal. Nunca vou morrer, é óbvio que não haverá outra vida! 

-Não é bem assim não. Você pode morrer. Quase perdeu a vida, a pouco tempo atrás. Mas falando sério, o quê acha que acontecerá quando você se for? Acha que vai recomeçar tudo de novo, renascendo? Acha que vai se manter viva no inferno? Não é bem assim. - a pele de Gen estava pálida e seus olhos dourados mais sombrios que outrora - Vasculhei sua mente. Certas coisas são realmente interessantes. Tipo o preço que pagou por sua imortalidade e como a obteve.

-O quê está tentando fazer? Quer me amedrontar, idiota? 

-Pelo contrário. Quero que você continue, pois você não durará. Você sabe de onde vem esse seu fator de cura? Já se perguntou isso? - Gen voltou sua atenção ao seu irmão - Você é tão inocente, Scarlet Dra Crimzon.

Não sei ao certo se era o objetivo, mas Gen conseguiu confundi-la. Sua expressão era de pura dúvida e ansiedade, como se tivesse esquecido de dar atenção a algo muito importante, mas logo esse sentimento foi substituído por raiva. Scarlet investiu contra Gen, passando por todos à sua frente. Antes mesmo de ter a chance de vê-la, Scarlet o agarrou pelo pescoço e o levantou.

-Aonde está sua coragem agora? - ela o jogou com força no chão.

Primeiramente, pensei que Gen sucumbiria à dor, mas ele se manteve neutro.

-Você não entende, não é? Golpes físicos não vão fazer você se sentir melhor. 

Antes de Gen conseguir levantar, Scarlet o chutou novamente.

-Scar, entenda. Seu fator de cura não é infinito, muito menos essa sua falsa imortalidade. - Gen se levantou a tempo de desviar do próximo golpe - Vou esclarecer para você. Toda vez que você se cura, toda vez que foge da morte, uma coisa é tirada de você. Eu chamaria de força vital, mas a galera que entende do assunto chama de elementra, não estou certo, Kathryn?

-A força primária de todas as coisas, você está certo. - Kathryn respondeu-o.

-Viu só? Você vai morrer se continuarmos te matando. E você sabe que podemos fazer isso, o grandão ali está do nosso lado agora. - Gen estava seguro de suas palavras, mas mal sabia ele sobre meu estado de descontrole atual.

-Morra, verme inútil. - os cabelos não simétricos de Scarlet caíram sobre seus olhos, deixando-a com um ar mais sério e frio.

Ela pôs sua mão em cima do lado superior direito do peito de Gen, cravando suas unhas com força, fazendo esforço para arrancar sua pele fora. Como reflexo, Kathryn e Adrian trocaram olhares, como se estivessem prestes a realizar um plano já bolado e debatido a um bom tempo. Kathryn criou água no chão e Adrian a moveu, usando gestos corporais, até o corpo de Scarlet, sua cabeça, especificamente, fechando uma bolha de água ao redor da mesma, impedindo-a de respirar.
Ela largou Gen imediatamente e começou a se debater, tentando tirar a água com as mãos. Dava a impressão de que Scarlet estava com falta de ar antes mesmo de ter sido pega na pequena armadilha de Adrian.
Quando não conseguiu se soltar, Scarlet alcançou seu chicote e acertou Adrian diretamente na barriga, fazendo-se inclinar de dor, interrompendo o feitiço.

-Vocês... Suas pragas! - Scarlet estava enfurecida - Então Selion está com vocês? Vamos testar isso! 

Perto dali, Merith ainda tratava de Melody, que neste momento já estava mais disposta e preparada. Kathryn, Adrian e Yousuke tentaram posicionar-se para impedir sua passagem, mas foi inútil, Scarlet enfurecida parecia ter o dobro de sua força.
Ao se aproximar, alguém se aproximou. Pela primeira vez, eu via Ingo se erguer contra Scarlet.

-Não ouse ferir qualquer uma delas. - ele tinha uma espada em mãos, invocada a pouco tempo por seus poderes do vácuo - Eu não permitirei! 

Ele segurava a espada de metal enferrujada com tamanho mal jeito, parecia nunca ter usado uma antes na vida. Talvez nunca mesmo tenha segurado uma outrora.
Ingo investiu contra ela, milagrosamente acertando sua barriga. Mas se só isso fosse necessário para pará-la, seria bom demais.
Como se fizesse apenas cócegas, Scar tirou a espada de seu tronco e a atirou longe, empurrando Ingo junto da espada.

-Ingo! - Merith chamou preocupada, parecia não ter notado quem se aproximava.

Scarlet ergueu Merith pelo pescoço, como fez com Gen, e a atirou junto de Ingo, fazendo-a ferir-se com a espada mal posicionada.
Agora, Scarlet encarava Melody, como se esperasse um longe discurso de despedida.

-Últimas palavras? - Scarlet pisou em cima de seu peito - Você sabe que eu posso te matar só assim, não é?

-Tem razão, esse seu chulé vai acabar me matando.

-Pirralha arrogante! - Scarlet tirou uma pequena faca de seu ombro e a atirou contra Melody.

Eu queria fazer algo para ajudar, eu não podia ser somente um telespectador naquele lugar, mas duas coisas me impediam. A minha falta de controle, e essa dor me impedindo de andar. 
Rugi de dor novamente. Toda vez que eu tentava restabelecer meu corpo, a dor se amplificava cada vez mais. Eu não passava de um dragão sofredor inútil naquele momento.
Mas para minha sorte, Melody não corria grande perigo. Quando a faca se aproximou de seu rosto, Melody desapareceu do chão, arruinando o equilíbrio de Scarlet, e reapareceu atrás dela, onde prendeu seus movimentos pondo sua espada contra seu pescoço.

-Você não consegue arranjar truques novos? - Scarlet bufou - É uma pena você ainda estar fraca. 

Quando notei, a situação se invertera. Scarlet agora segurava a katana contra o pescoço de Melody. 
A dor começou a passar pelo resto do corpo, era como ter o corpo rasgado ao meio, com uma eterna sensação de queimação que dragões não deveriam sentir. Era difícil acreditar no fato de palavras estarem literalmente machucando-me, mas lá estava eu, fazendo esforço para aguentá-las.

-Acabou. - Scarlet afastou a katana e a reaproximou, pronta para dar o último golpe em Melody.

"NÃO!" eu ainda não conseguia me manifestar sem ser por rugidos.
Em algum momento, fui jogado no chão por uma força exterior. Foi um real sacrifício para levantar novamente. Meus músculos não me obedeciam, era como se uma parte de mim preferisse ficar deitado para morrer. Mas eu não iria desistir, eu não podia me dar ao luxo disso.
Avancei em direção de Scarlet, pronta para acabar com ela (falando parece fácil). Então eu os vi.
Melody estava relativamente bem, estava viva. Mas havia um grande corte em seu pescoço. Seu pescoço despejava sangue. 
A katana roubada de Scarlet foi interrompida por outra espada. 
"Como? Por quem?" eu pensava assustado, mas me sentia extremamente feliz em saber que ela estava bem, afinal de contas.
Segurando a espada que salvara Melody, estava um garoto com cabelos pretos, usando uma armadura leve de metal. Seu nome era Lief. A pessoa que eu sentira se aproximar a pouco tempo atrás.

-O quê pensa que está fazendo, foguinho da espada? - Scarlet perguntou furiosa, com os olhos fulminando Lief.

-Nós conversamos sobre isso, Scar. - Lief respondeu, encarando Scarlet de volta - Você. Não. Vai. Matar. Melody.  

Melody tentou se levantar, pronta para fugir, mas infelizmente, Scarlet a percebeu. Com a mão livre, Scarlet tirou um pano de seu bolso e o pressionou contra o rosto de Melody. Seu corpo deslizou até o chão, indefeso.

-Você ainda não entendeu? Não deve feri-la! Eu não permitirei! - Lief investiu contra Scarlet. Agora eu não sabia se o tratava como amigo ou inimigo.

Scarlet não teve outra alternativa, a não ser enfrentar Lief. Você sabe quando a situação fica feia, no momento em que inimigos começam a se atacar.
Aproveitei a cena para pegar Melody e levá-la para longe. Eles estavam ocupados demais para notar um dragão do tamanho de uma casa de dois andares raptando sua inimiga em comum. Tirá-la de cena foi difícil para mim, uma vez que minhas força era descomunal, e eu não soubesse regulá-la. Um passo em falso, e quem a mataria seria eu.
"Não, por mais descontrolado que estivesse, eu não seria capaz disso. Até meu pior lado, o mais horrendo e psicótico, sabe bem quem ela é. Eu devo protege-la, principalmente numa hora como esta. Não posso vacilar, não posso falhar! Ela é importante, por algum motivo..." meus pensamentos soavam alto em minha mente.
Ao ver seu rosto, deitado na palma da minha mão enquanto me aproximo de Kathryn e dos demais, não posso me sentir de outra maneira a não ser bem.
É um motivo pelo qual devo lutar. 

-Selion? - Kathryn chamava repetidamente.

Me abaixei com cuidado, para não esmagar nenhum de meus amigos. Isso não seria bem visto pelos outros, não é?

-Selion! - outra voz me chamou.

As vozes começaram a ficar distantes. Primeiro, pensei que me chamavam simbolicamente, por ter me aproximado depois de tanto sufoco pelo controle de meu corpo. Mas então, as vozes começaram a ficar mais alta, e soavam como pessoas preocupadas. 
Meus olhos estavam se fechando? Eu não conseguia saber. Não conseguia sentir meu corpo. A dor tomou posse de mim novamente, não que eu tenha conseguido fazê-la parar. 


...

-Pelo amor dos Deuses... ACORDA! - uma voz gritou em meu ouvido.

-MAS O QUÊ... - abri meus olhos em um susto. 

Eu teria pulado, se não tivesse uma força impedindo-me de me mover.

-Espera... Eu posso falar? Eu não estou mais rugindo! - comemorei.

-Você tentou desmaiar, mas nós não deixamos. Não é hora para isso, Scarlet e Lief podem acabar se entendendo! Se isso acontecer, acabou pra mi-... Pra gente! - Ingo deu-me uma leve explicação da situação, com um ar histérico.

Tentei me levantar, mas algo me impedia.
Me senti muito burro por não ter notado que havia alguém em cima de mim. 

-E-então... Você está acordada? - tentei falar com Melody, que se encontrava deitada em meus braços.

-Não se mexa, estou quase terminando de tratar do pescoço dela. Não é um incômodo pra você mesmo, não é? - Merith advertiu rindo.

Ela ainda não acordara do veneno de Scarlet. Para minha sorte, eu sabia que era inofensivo. Até eu que vivera na estrada já o conhecia através de filmes. A única diferença se resume ao fato de que eu não assistira a tais filmes em minha casa ou no cinema, mas sim no lar das pessoas que me deixavam passar a noite em suas casas. Ser um andarilho não é nada fácil.

-Acabei. Ela deve acordar em alguns segundos. - Merith se afastou.

Examinei o pescoço de Melody. Merith costurara o rasgo em seu pescoço e limpara o sangue. Aparentava ter sido tratada por doutor Frankenstein, mas pelo menos, estava melhor.
Ela começou a se mexer, deveria estar acordando.

-Galera, eles estão parando de lutar! Imagina só se eles se entenderem! - Ingo alertou a todos.

Eu ainda não sabia se Melody acordara ou não, então procurei não me mover. Mas pelo jeito, ela resolveu fazer o contrário. 
Ela me abraçou e sussurrou algo em meu ouvido.

-Obrigada. 

-Não se preocupe com isso. - eu a respondi sem jeito - Eu já causei muito problema pra merecer gratidão de qualquer um. 

Ela se levantou e estendeu a mão para mim.

-Não precisa ser tão duro consigo mesmo. Scarlet sabe bem como ferrar os miolos das pessoas. 

Eu agarrei sua mão e levantei. 

-Seu pescoço não está doendo? - eu não me sentia seguro em relação àquele curativo feito as pressas.

-Acredite, eu já passei por coisa pior... - por algum motivo, ela colocou uma de suas mãos no seu olho esquerdo, como se estivesse protegendo-o de algo.

Seus olhos estavam lilás, mas isso mudou quando Melody notou Scarlet lutando com sua katana. Agora eles estavam vermelho vivo, tanto seus olhos quanto as pontas de seu cabelo, e chegavam a dar medo.

-Isso é para você, eu imagino. Deve ser um substituto resistente até obter o original de volta. - Ingo estendeu uma espada para Melody, a mesma que eu o vira usar para proteger Merith.

Melody agradeceu-o e deu alguns passos a frente. Eu a impedi.

-Recupere-se um pouco, eu tenho uma ideia. - minha fala saiu na hora exata, pois naquele mesmo momento, Scarlet e Lief pararam de brigar entre si.

Não dei tempo para Melody reagir, estendi minha mão para o lado, onde meu arco apareceu em um passe de mágica, chamado Polar e Magna. 
"Precisa de alguma ajuda?" uma voz metálica perguntou-me.
"Ajudem os feridos, é o que podem fazer."
"Entendido." uma voz metálica, dessa vez feminina, me respondeu.

-Como você voltou ao normal? - Scarlet exigiu saber, pasma - Bem, isso não importa. Vai voltar agora mesmo! Akai Dragna!

Continuei me aproximando. Eu não serei pego dessa vez. Eu fui estúpido de mostrar as garras mais cedo, e acabei descontrolado, criando rios de lava, machucando meus companheiros. Mas dessa vez não aconteceria, até a minha burrice têm limites. 

-Tsc. Não funcionou, mas não se preocupe. Uma hora ou outra você vai sucumbir à mim. - por sua fala, pude notar a existência de algum plano reserva em sua mente.

O jeito, era impedi-lá antes de colocá-lo em prática. 

-Deve ser muito corajoso para aproximar-se desse jeito com um general da Grand Destruction em sua presença. Ou melhor, deve ser muito burro. - Lief zombou.

-General? Nossa, muito impressionante. Quem sabe assim seus superiores te matam por último quando tudo acabar? 

Lief e Scarlet trocaram olhares. Quando amigos fazem isso, é algo bom, mas quando inimigos fazem isso, significa que cabeças vão rolar. 

-Eu vou ajudar você, se está tendo tanta dificuldade de parar pessoas como ele. Mas você entendeu, não é? A Melody não está na sua lista de alvos. - Lief advertiu Scarlet.

Scarlet não respondeu-o, simplesmente virou a cabeça para o lado, como se seu orgulho não a deixasse responder, pois definitivamente não deixava.
Parando para pensar, Lief realmente acreditava na possibilidade de ter Melody em sua equipe? Conheço ela a menos tempo, mas sei bem que isso nunca aconteceria.

-Selion, Selion, Selion... Você não veio para esse lugar sozinho, sabia? - Kathryn se aproximou, sendo seguida por Yousuke.

-Quanta enrolação, pelo amor de... Droga, nunca soube completar essa frase. - Lucius resmungava, brincando com um cubo vermelho em mãos.

Tentei me manter equilibrado mentalmente para não atear fogo à Lucius.
A batalha começou. Scarlet e Lief investiram em nossa direção. A espada de Lief reluzia com um brilho intenso, tornando extremamente difícil prestar atenção nele sem cegar-se.

-Como um arqueiro luta sem flechas? - Scarlet gargalhou, enquanto guardava a katana em sua bainha, depois segurando-a com a boca.

Scarlet empunhou seu chicote e avançou em minha direção. Ela me acertou diretamente na barriga com seu chicote, como de esperado, mas mantive-me firme. A seguir, passou diretamente por mim, indo em direção de Merith, Ingo, Gen e... Melody. Isso já não era esperado.
De relance, ouvi cacos de gelo quebrando-se e fogo estalando, como resultado do confronto entre o gelo de Kathryn e o fogo de Lief. Ela teria de me perdoar, eu não podia ajudar nesse momento.
Ao seguir Scarlet, quase deixei o fogo me consumir, libertando assim Flamus novamente, sendo que a poucos segundos eu me prometera não fazer isso novamente. Eu precisava lutar nessa batalha sozinho, sem a ajuda de um terceiro sobrenatural. 

-Sentiram saudades? - Scarlet pulou no chão, dando assim uma cambalhota, e finalizando com um chute diretamente no estômago de Gen.

Ele caiu no chão instantaneamente. Seu corpo não era resistente o suficiente para uma batalha corpo-a-corpo real.
Ao ver a cena, os olhos de Melody brilharam ainda mais, e teriam pegado fogo, se fosse humanamente possível. Seu primeiro golpe foi falho, acertando nada além do vento. Scarlet nada mais fez que rir e empunhar sua espada, agarrando sua bainha com a mão livre.

-O quê é isso? Vai pegar leve comigo? Eu não preciso, querida. - Scarlet deu a volta por seu corpo, pronta para acertá-la com a katana roubada.

Melody abriu um sorriso. Antes de Scarlet conseguir realizar seu movimento, Melody completou o seu último ataque, formando um U diagonal, girando em torno de si mesma, acertando assim Scarlet, sua mão segurando a katana, mais especificamente. 

-Eu não erraria um alvo fácil como você. - uma vez livre do controle de Scarlet, a espada voltou para as mãos de Melody, sendo puxada por alguma força exterior - Credo, por que você tinha que babar nela?!

Scarlet não se abalou com o ataque, pelo contrário, aproveitou a brecha criada, atacando com a bainha. O alvo deveria ser Melody, seu pescoço ferido, para falar a verdade. Mas eu não estava ferido, eu podia aguentar. Pulei na frente do ataque, bloqueando com meu arco. 
Eu não saí ileso, mas Scarlet não segurara a bainha com muita força, permitindo-me tirá-la de sua mão, prendendo-a no meio de meu arco.

-Mas você é um dragão muito irritante! - Scarlet rugiu.

Eu não era a única criatura selvagem (e irracional) do lugar.
Joguei a bainha de volta para Melody. Agora ela pôde finalmente se desfazer de sua espada provisória e lutar de verdade.
Eu estava pronto para acertar um golpe no meio da cara chamuscada de Scar, quando uma luz cegou a todos nós, incluindo nossos rivais. Uma voz gritava em uma língua incompreensível. Aos meus ouvidos, consegui somente entender poucas coisas. Meus conhecimentos eram limitados, mas para mim, parecia algo em latim. 
Ita ... bestiae corpus ... infinita ... flammis ... Domino, Dominus ... Aron.
As vozes dos outros ao redor tornavam difícil entender tudo, ouvindo somente estas palavras soltas e de significado desconhecido. Com exceção de uma. Aron. O motivo de estarmos aqui.
A luz abaixou. Algumas pessoas estavam deitadas no chão, abaladas, como se tivessem sido atropeladas. Kathryn e Yousuke estavam em péssimo estado. Seu corpo estava vermelho, com queimaduras em todos os lugares, principalmente em volta de seus olhos.
Para minha surpresa, Scarlet também se encontrava no mesmo estado, com uma leve diferença. Lief agarrava sua mão, pronto para quebrá-la. A mão de Scarlet segurava o cabelo de Melody, e sua mão livre uma de suas facas. O ferimento de Melody se abrira novamente, forçando-a a manter sua mão sobre ele, para impedir o sangramento.

-Eu confiei em você. - Lief torceu a mão de Scarlet com força.

Ele estava diferente. Sua espada flutuava ao seu lado, e havia dobrado de tamanho. O fogo cobria cada centímetro de sua lâmina, agora negra com labaredas branca, incrustada com uma pequena pedra vermelha, bastante conhecida para mim. Uma das pedras de Elementra, a pedra do fogo. Pedra em posse atual da Grand Destruction, quando alguém roubara-a de nós, sendo Richard esse alguém.
O corpo de Lief não era mais o mesmo. Seus olhos eram vermelhos como fogo, semelhantes aos de Melody à poucos minutos, seu cabelo estava mais negro do que nunca, como cinza expelida por um vulcão, e sua pela estava ressecada e brilhante, como se minúsculos canais de lava escorressem livremente entre sua pele.
Aquele era o poder total de uma pedra? Eu tinha medo de pensar no que aconteceria se perdêssemos a posse de nossa última pedra, a pedra da água.
Mas estava tudo sob controle, ela estava segura, por hora.

-Lief? O quê você... Por quê?! - Melody questionou-o.

Afinal, não é todo dia que alguém tentando destruir/controlar o mundo salva uma das pessoas tentando detê-lo.

-Minha oferta continua válida. Una-se a nós. Una-se a mim. - Lief largou a mão de Scarlet, largando-a de lado como se não fosse importante, e ficou de joelhos, de frente para Melody - Serei seu cavaleiro, e passaremos a eternidade juntos. Ao ficar do nosso lado, você obtém a imortalidade, a melhor vida possível, tudo que puder imaginar! - ele pegou sua mão e a beijou - Aceite, você não se arrependerá.

Eu não conseguia observar aquela cena sem me sentir mal de algum jeito desconhecido. Isso não deve ter ficado claro, mas eu passei toda a minha vida afastado das pessoas. Até mesmo as pessoas próximas a mim tratavam-me como se eu fosse um estranho, um visitante ou até mesmo um intruso. Sim, estou falando de meus pais. E por culpa disso, eu não faço muita ideia sobre "sentimentos".
Mas uma coisa era certa, nesse momento, eu não sentia um dos bons.

-Lief, eu não... - Melody tentou se afastar.

Lief não desistiu, se aproximou ainda mais. Perto demais, se permite-me dizer. Eu precisava pará-los, ou então esta cena de guerra poderia se tornar uma cena romântica. 
Já era hora de acabar com isso.

-Ela disse não. Sabe o quê isso significa? - ajudei Melody a se levantar, afastando-a de Lief.

-É uma escolha dela, você não pode interferir. Eu até convidaria você também, mas é fraco e inútil demais até para um soldado descartável. - Lief me confrontou.

Era preciso lutar para pará-lo. 
Dei uma última olhada ao redor, na tentativa de obter informações sobre as capacidades de Lief. De pé, só restavam eu, Lief, Melody, Lucius e Aslan. Scarlet era um caso a parte, estava agachada resmungando consigo mesma. Não representava uma ameaça.
Os demais, todos não puderam resistir ao poder da pedra. Gar e Richard não foram tocados.
Pela primeira vez, eu notara a ausência de Troian, Annie e Stephie. Mas se bem me recordo, as duas ninjas tentavam invadir o cubo inquieto no centro do lugar. Troian deve as ter seguido por algum motivo.

-Eu já entendi o que está acontecendo. Desista, Selion. - Lief pegou sua espada.

O pescoço de Melody sangrava muito, em pouco tempo, algo grave poderia acontecer. 
"Acordaremos Merith." 
Eu não preciso dizer o quanto amo esses Seres Magnéticos, não é mesmo?

-Eu não vou desistir, tenho que protege-la. Eu vou fazer o meu melhor por ela, e por qualquer outra pessoa ferida pela Destruction. 

-Você está falando sério? Acha que é uma espécie de super-herói? Francamente... - Lief apontou sua espada para cima. 

-Não tenho nada de herói, e muito menos de super. Mas posso acabar com você sem dificuldade alguma! 

Atrás de mim, Melody corria para ajudar Merith. Ela estava despertando, graças a uma pequena ajuda de duas criaturas amigas. 
Lief abaixou a espada, cortando o ar, substituindo-o por uma linha de chamas devastadora, tão poderosa a ponto de derreter o chão. Por pouco, consegui desviar. Mas meu arco, já era.

-O quê estava dizendo? - Lief usou o mesmo ataque novamente.

Eu sabia o jeito de derrotar Lief. No meu estado atual, só havia um. Mas eu queria muito não precisar dele. Caso eu fracassasse, eu não sei o que aconteceria. Ele poderia manipular Melody para juntar-se a eles, basta ver o resultado de sua transformação. Todos foram abatidos em questão de segundos.
Eu precisava ganhar tempo, assim Melody poderia usar alguma magia para pará-lo, ou então, despertar os nocauteados.
Parei de correr na frente de Scarlet. Ela não se movera, continuava parada. Ela não era páreo para ele, não com a pedra em mãos. Caso Lief ousasse atacar, Scarlet seria atingida junto comigo. Eu não pereceria sem levar uma alma maligna comigo. 

-Selion, você não está pensando em... - Melody não pôde concluir sua frase, era tarde demais - Espere, não! 

Escamas cobriram meu corpo. Em meu peito, eu sentia um calor intenso, uma chama ascendendo dentro de mim. Meu corpo se tornou mais forte, alcançando um padrão superior ao humano.
Felizmente, eu não cresci mais do que o normal e de bônus, podia falar novamente. Mas algo acabou dando extremamente errado.

-Agora teremos uma luta interessante. - Lief declarou animado - Era nessa forma que eu queria te derrotar, Selion.

-Selion? Isso é passado. - a voz saía de minha boca, eu as falava com tom alto e claro, mas eu não pensava no que falava - Meu nome é Flamus, lembre-se disso. É o nome do dragão que te transformará em cinzas.

Eu fui derrotado antes mesmo da luta começar, por mim mesmo. Nesse momento sou dominado por uma força interior, mais resistente que Selion Grand Lux. Agora meu corpo pertencia à Flamus, meu eu-dragão. Os instintos me dominaram novamente, de uma nova forma, eu presumo.

-Do quê está falando, Selion? - Melody indagou.

Meus instintos me dominaram. Essa frase retumbava em meus ouvidos.
Eu sentia coisas nunca antes sentidas em minha vida e tinha desejos por coisas que nunca antes dera atenção. Era como renascer. Eu não sentia vontade de mudar, talvez nem quisesse. Quem sabe eu nunca mais volte para meu antigo corpo? 

-Vou lhe dar uma chance de ouro. Pode fazer o primeiro movimento. Ataque com tudo que tem. - bradei com os braços abertos - Aguentarei o seu golpe mais poderoso.

-Selion, você viu o que ele é capaz de fazer agora? Isso é... - Melody foi novamente interrompida, dessa vez por Merith com seus medicamentos apressados - É loucura! - ela completou.

-Não se preocupe, eu sobreviverei. - mostrei minha face humana para ela por um momento, sorrindo - E assim que acabar, voltarei para você. Agora eu consigo entender o que sinto por você. 

-Cale a boca! Você vai confundir a cabeça dela! - Lief correu em minha direção.

-Melody, eu amo você. 

Dei uma última olhada em seu rosto, agora corado. 
Essa guerra... Já estava ganha. 

Se você soubesse contra quem realmente está lutando, Selion... Mas é uma pena. Ninguém vai sobreviver.